Como fazer transição de carreira para TI
Estratégias reais para quem não pode largar tudo para estudar.
"Quero mudar para tecnologia, mas não sei por onde começar."
Essa frase tem se tornado mais comum nos últimos anos. A área de tecnologia entrou num boom muito grande, que foi acelerado durante a pandemia. Para a geração Z, estatística e computação chegam a ultrapassar medicina como sonho.
E faz sentido. Engenharia de software continua sendo uma das carreiras mais promissoras em salário, flexibilidade e crescimento.
No entanto, para quem já está no mercado de trabalho, existem outros desafios. Mudar de área, especialmente quando você já tem contas para pagar, não é tão simples quanto alguns cursos online prometem.
Meu objetivo aqui hoje é falar sobre as principais coisas que você precisa considerar se quer fazer essa transição.
✨ O que esperar do artigo
Um panorama honesto dos desafios da transição de carreira para tecnologia
Estratégias práticas para entrar no mercado tech alavancando sua experiência atual
Como desenvolver as habilidades fundamentais através de prática deliberada
A realidade da transição de carreira para tecnologia
Vamos começar com uma verdade difícil: a maioria dos cursos e conteúdos sobre transição de carreira para tecnologia vende uma fantasia.
Eles mostram histórias de sucesso de pessoas que ganharam 30 mil reais por mês depois de um bootcamp de três meses. O que não mostram são as centenas que tentaram e desistiram no meio do caminho.
A transição é possível, mas precisa ser encarada com realismo.
Engenharia de software não é um atalho ou plano de backup
Precisamos desmistificar a ideia de que engenharia de software é um caminho fácil para salários altos. Não é uma alternativa para pessoas que "não deram certo" em suas escolhas originais.
É uma profissão complexa, que exige dedicação contínua e paixão genuína pela resolução de problemas. Os salários são atrativos justamente porque as habilidades necessárias são difíceis de desenvolver e estão em alta demanda.
Como qualquer profissão respeitável, exige estudo, prática e experiência. A diferença é que o aprendizado nunca para. Tecnologias mudam constantemente, e a capacidade de se adaptar torna-se fundamental para o sucesso a longo prazo.
Os desafios que ninguém menciona
Quando você decide mudar para tecnologia depois dos 30, enfrenta alguns obstáculos que os influencers não contam.
Você competirá com recém-formados atualizados com as últimas tecnologias e dispostos a aceitar salários iniciais menores. Algumas empresas preferem contratar pessoas no início da carreira, que podem ser "moldadas" conforme a cultura da organização.
Depois de anos ganhando um bom salário em outra área, aceitar um salário de júnior pode ser um choque financeiro difícil de administrar. E a curva de aprendizado é íngreme. Programação é difícil. Dominar os fundamentos enquanto trabalha em tempo integral exige sacrifícios significativos.
A boa notícia? Esses desafios são superáveis com a estratégia certa.
Suas vantagens competitivas
Profissionais em transição carregam vantagens valiosas sobre quem está começando do zero.
Sua experiência prática de trabalho significa que você já sabe lidar com prazos, trabalhar em equipe e gerenciar expectativas. Seu conhecimento de domínio é uma vantagem! Um médico que vira desenvolvedor entende as dores do setor de saúde melhor que qualquer programador.
Sua maturidade emocional é fundamental. Você já passou por altos e baixos profissionais, sabe lidar com feedback crítico e entende a importância de comunicação clara. E não podemos esquecer sua rede de contatos. Seus colegas atuais podem ser futuros clientes ou parceiros quando você estiver na área de tecnologia.
Expectativas realistas de tempo e investimento
Esqueça promessas de "vire programador em 3 meses". Uma transição bem-sucedida geralmente leva 1 a 2 anos de investimento consistente, sem garantias.
Você precisará dedicar 6 a 12 meses de estudo consistente para dominar os fundamentos. Mais alguns meses construindo projetos para seu portfólio. E tempo adicional participando de processos seletivos até conseguir a primeira oportunidade.
Em termos financeiros, prepare-se para investir em cursos, materiais de estudo, equipamento adequado, e possível redução temporária de renda.

O poder da prática deliberada
Anders Ericsson, psicólogo e pesquisador, passou décadas estudando como pessoas se tornam especialistas em seus campos. Seu trabalho, popularizado no livro Outliers de Malcolm Gladwell, vai além da famosa "regra das 10.000 horas".
O segredo não está apenas nas horas de prática, mas na qualidade dessas horas, o que Ericsson chamou de prática deliberada.
O que é prática deliberada?
Prática deliberada tem características específicas:
Foco em aspectos específicos: Não é simplesmente programar por horas, mas trabalhar em habilidades específicas com intenção clara.
Feedback imediato: Você precisa saber rapidamente se está no caminho certo ou errado.
Expandir sua zona de conforto: O ritmo deve ser confortável o suficiente para não desistir, difícil o suficiente para crescer.
Orientação especializada: Um mentor experiente pode acelerar significativamente seu aprendizado.
Aplicando isso à transição para engenharia de software, significa que você precisa:
Definir claramente quais habilidades específicas quer desenvolver
Criar projetos que desafiem você na medida certa
Buscar feedback de desenvolvedores mais experientes
Refletir constantemente sobre o que está aprendendo
Essa abordagem é muito mais eficaz que assistir aulas passivamente ou copiar tutoriais sem entender o que está fazendo. Ainda mais se você quiser criar projetos que realmente chamem atenção no seu portfólio.
Não é nenhuma cópia do Netflix ou do Airbnb que vai destacar o seu currículo perante os seus concorrentes.

Encontrando orientação especializada
Um bom mentor pode encurtar drasticamente sua curva de aprendizado. Mas nem todos têm acesso a desenvolvedores experientes dispostos a ajudar.
Alternativas práticas incluem:
Participação ativa em comunidades online (como a do Dev na Gringa)
Contribuições para projetos open source (começando com documentação)
Participação em hackathons e eventos técnicos
Troca de revisões de código com outros aprendizes
Lembre-se que a melhor orientação vem da prática real. Construir algo concreto e receber feedback sobre ele vale mais que dezenas de aulas teóricas.
Estratégias práticas para transição
A estratégia da entrada lateral
Esta é provavelmente a abordagem mais subestimada e eficaz: usar sua experiência atual como ponte para tech.
Em vez de começar do zero, procure posições híbridas que combinem sua expertise atual com tecnologia.
Um profissional de marketing pode começar como Analista de Marketing Digital (usando SQL, Python) e evoluir para Growth Engineer. Alguém da área de saúde pode começar como Analista de Dados Clínicos, passar para Especialista em Sistemas de Saúde e depois se tornar engenheiro em uma healthtech.
A magia desta abordagem? Você continua agregando valor com seu conhecimento atual enquanto desenvolve novas habilidades técnicas. Isso permite uma transição gradual sem o choque financeiro de começar como júnior.
Além disso, se a sua empresa já tem um departamento de engenharia, procure saber sobre como transferências internas funcionam. Desse modo, você já tem a vantagem do conhecimento de domínio.
Se você mostrar que é capaz de entregar valor na parte de desenvolvimento, há uma oportunidade aqui. E pode vir com a vantagem de não ter redução salarial.
Construindo portfólio com pouco tempo
Quando você tem família, contas e um emprego de 40 horas semanais, não pode simplesmente passar noites e finais de semana programando.
Uma estratégia eficiente é automatizar problemas do seu trabalho atual. Identifique tarefas repetitivas, crie scripts para automatizá-las (mesmo simples), e documente o antes/depois como case study. Isso gera valor imediato e mostra suas habilidades técnicas aplicadas a problemas reais.
Essa foi a maneira com a qual Shaundai Person fez. Hoje ela é Senior Software Engineer no Netflix, mas começou na área de vendas. Ela aprendeu programação fazendo software que a ajudava no dia a dia.
Outra abordagem é desenvolver projetos na interseção entre tecnologia e sua área atual. Uma professora pode criar um app de planejamento de aulas. Um profissional financeiro pode construir uma ferramenta de análise de investimentos.
O segredo é qualidade sobre quantidade. Um único projeto bem executado e documentado vale mais que dez projetos genéricos inacabados.
E não me venha com criar a UI do Netflix ou Airbnb pela centésima vez. Chega disso.
Enfrentando a realidade do aprendizado de programação
Vamos ser honestos: aprender a programar é frustrante. Você passará horas travado em problemas que parecem impossíveis, apenas para descobrir que o erro era um ponto e vírgula faltando.
A frustração não é um sinal de que você não serve para isso. É parte normal do processo.
O ciclo emocional do aprendizado em programação passa pela empolgação inicial, confusão crescente, frustração profunda, e então a satisfação de uma pequena vitória, antes de repetir o ciclo em um nível mais avançado. Reconhecer este padrão ajuda a não desistir quando estiver na fase de frustração.

LLMs: seu mentor particular disponível 24/7
Uma vantagem que os programadores de hoje têm: assistentes de IA como ChatGPT e Claude.
Essas ferramentas podem explicar conceitos de várias maneiras até você entender, ajudar a debugar seu código, sugerir exercícios personalizados para seu nível, e até simular entrevistas técnicas para prática.
Use LLMs como complemento ao seu aprendizado, não como substituto. A compreensão profunda ainda exige que você lute com os problemas por conta própria.
A mentalidade correta para aprender programação
Aceite o "não saber”. Programadores experientes passam o dia pesquisando e consultando documentação. Adote uma abordagem científica, formando hipóteses e testando-as metodicamente. Celebre pequenas vitórias! Cada bug resolvido é uma conquista que merece reconhecimento.
E talvez o mais importante: encontre sua tribo. Conecte-se com outros em transição de carreira que compartilham seus desafios e podem oferecer apoio mútuo.
Habilidades cruciais que não se aprende em sala de aula
A programação é apenas uma parte da equação. Algumas das habilidades mais importantes para o sucesso na transição raramente são ensinadas.
A arte de fazer boas perguntas
A diferença entre um desenvolvedor eficiente e um mediocre não é saber tudo, mas saber como descobrir o que não sabe.
Uma boa pergunta técnica fornece contexto conciso, explica o que você já tentou, descreve o erro específico, e menciona a pesquisa que você já realizou. Perguntas bem formuladas não apenas trazem respostas melhores, mas mostram sua maturidade profissional.
Desenvolvendo autonomia na resolução de problemas
A habilidade mais valiosa de um desenvolvedor é a capacidade de se desbloquear sozinho.
Decomponha problemas grandes em pequenos passos. Pratique explicar seu problema em voz alta (técnica conhecida como "rubber duck debugging"). Adote a regra de lutar sozinho por um tempo, consultar documentação, e só então pedir ajuda.
Conforme você desenvolve essa autonomia, sua confiança e valor de mercado aumentam drasticamente.
Gerenciando expectativas e relacionamentos profissionais
No mundo tech, saber gerenciar expectativas é tão importante quanto saber programar.
Compartilhe avanços incrementais para mostrar progresso, mesmo que o trabalho esteja incompleto.
Comunique com transparência sobre prazos e possíveis imprevistos. Não tenha medo de admitir o que não sabe. É mais profissional dizer "eu não sei" do que fingir conhecimento.
The three most powerful words for building credibility are "I don't know". John Ousterhout. Autor do livro A Philosophy of Software Design, engenheiro de software e professor do departamento de Ciência da Computação de Stanford.
As habilidades sociais que você desenvolveu em sua carreira anterior são um diferencial competitivo enorme.
A realidade do trabalho em engenharia de software
Antes de investir tempo e dinheiro, vale a pena entender como é realmente o dia a dia na profissão.
A programação no mundo real é diferente do que muitos imaginam. Os desenvolvedores passam mais tempo entendendo código existente do que criando do zero. O trabalho em equipe é constante, com muitas discussões e colaboração. A comunicação ocupa boa parte do tempo: reuniões, documentação, explicação de decisões técnicas.
E sim, a frustração é frequente. Bugs persistentes, requisitos ambíguos e prazos apertados fazem parte da rotina. Pergunte-se: essa realidade combina com o que você busca?
Ao mesmo tempo, poucos trabalhos oferecem a satisfação de criar algo do zero e ver pessoas reais o utilizando. A sensação de resolver um problema complexo depois de dias de tentativas é incomparável. E a comunidade de desenvolvedores é uma das mais generosas em compartilhar conhecimento.
Engenharia de software continua sendo uma excelente escolha de carreira. Os salários são competitivos, as oportunidades abundantes, e o potencial de impacto no mundo é enorme. Apenas certifique-se de entrar nela pelos motivos certos – não pelo dinheiro, mas pela paixão genuína em resolver problemas através de tecnologia.

🌟 Resumo
A transição para engenharia de software é possível, mas exige expectativas realistas sobre tempo (1-2 anos) e desafios
Esta não é uma carreira para "fugir" de outras áreas, mas uma profissão que exige dedicação, esforço e aprendizado contínuo
A prática deliberada, conforme estudada por Anders Ericsson, é o caminho mais eficaz para desenvolver as habilidades necessárias
A estratégia de entrada lateral permite usar sua experiência atual como ponte, criando um caminho mais suave e financeiramente viável
Além de habilidades técnicas, desenvolva autonomia na resolução de problemas e comunicação eficaz
Fazer a transição para engenharia de software não é fácil, mas com a estratégia certa e expectativas realistas, pode ser uma das melhores decisões da sua carreira. O caminho será desafiador. Mas as recompensas, em termos de satisfação, crescimento e impacto, podem valer cada obstáculo superado.
Fico feliz que você leu o artigo até o final! 🙏
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Só acredito que a parte de ser uma "paixão" é meio complexa, quando a pessoa cai no período de frustração que você mesmo comentou, pode acabar se sentindo desiludida, e se questionando se é aquilo mesmo que ela quer. A paixão pode ser desenvolvida no processo e entendida de diversas formas entre as pessoas.